sexta-feira, janeiro 23, 2009

Relíquias

Conheço apenas
retalhos de teus recortes
rabiscos de teus rascunhos
relatos de tuas revoltas
ruídos de tuas respostas
retoques de tuas rasuras
revides de teus recalques
registros de teus refúgios
requintes de tuas roupagens
recados de teus rodeios
resquícios de tuas ruínas
o suficiente pra compor uma obra-prima.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Essa ponte entre nós
Desate-os!

A ferida e o amor

A ferida sangrou
E escorreu o pus
Pus terra
E adubei com fezes recentes
Reguei com mijo de ontem
E nasceu um amor fétido e nojento
Que amor por mais fétido e nojento que seja não tem
A beleza e o olor primaveril do orgasmo virginal da flor da manhã?
A certeza e o calor sutil do espasmo universal que é dor bem sã?
Todo amor é podre e vil o suficiente pra tecer a delicadeza do riso mais belo

terça-feira, janeiro 20, 2009

Lá fora parece que chove

Lá fora parece que chove
E a Terra se move silenciosa em torno do sol
Preciosa chuva que molha lá fora
Que o sol secará, lá
Aqui dentro faz vento
Ventilador ligado e um barulho tranquilo
Se eu ouvisse a chuva não haveria vento
Se eu ouvisse a chuva não estaria aqui
Se eu ouvisse a chuva...
O sol secará
Quando eu voltar eu ligo o vento
Silenciosa
Em torno do sol

Muro

Tudo se desfaz e permanece o teu olhar
Minhas paredes caem
Teu olhar, muro abstrato
Me inibe, me impede
Não vou além
Teu olhar não cede
Cada coisa no seu lugar, destruída
Cada coisa, nada
Só o teu olhar é concreto
De certo sou... nada
De nada sou... feito
De peito aberto vou na estrada sem jeito
Amada de longe, tão perto
Permanecem os escombros
E o teu olhar
A pedra, o vento, o passo, o canto
Faz de conta que entendo
Tão natural quanto o meu desejo de te ver calada
De te ver me vendo
Vendo tudo
Mas tudo se desfaz e permanece o teu olhar

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Maria

Maria, tua pele exala o suor
Tua pele molhada
Tua flor molhada
Maria, tua rosa é maior que as marés desses mares
Teu odor, olor, teu corpo rasgando
Tua sensatez transformada em fera
Teu som penetrando as entranhas
Tuas unhas caçando a carne
Maria, tua boca mordendo a libido
Teu rugido ecoa nos cantos, no teto
O desejo consome o âmago
Teu âmago dá fome ao beijo
Teu sangue, Maria, a sede
Tua brutalidade serena
Tua capacidade de olhar
De enxergar o vazio e me fazer completo
Completamente sem nada dizer
Tua fúria insinua prazer
Tua luxúria é nuance
Nua
Crua
Sua
Maria
A lua cálida incendeia o pecado
Teus lábios sábios
Teus sábios lábios
A penumbra
Tua feição de santa me expõe
Maria
Cala-me, não
O chão comporta tanto pudor esquecido
As paredes também
A janela aberta e a brisa, em vão
Um sopro no inferno
Maria, tua voz, nem sei
Tua nuca
Me escuta Maria!
És deusa
Uma puta divina
Divina puta
Nossa luta é sincera
Quem me dera poder te amar
O amor é mentira Maria
Me tira daqui Maria!
Eu quero apenas teu olhar me consolando e o carinho do desprezo
Aquele olhar sem medo, aquele amor canalha
Os falsos risos
A eterna batalha
Teu poder de estuprar meus sentimentos
Se eu minto, Maria, é pra não dizer que te amo
Se eu te amasse ia querer mais
Não posso querer mais
Não há mais
Só há a sensação de paz
Me basta essa guerra
Tu és o mal, o bem
Tu és cruel, um mel no fogo
Tu és a própria chama
Maria, tua rosa é maior que as marés desses mares

segunda-feira, janeiro 05, 2009

A planta

aquela planta
renova a vida se crescida
lenta, atenta se constrói
nutre e é nutrida

aquela planta faz acontecer a vida
que o homem destrói
este quando morre vira adubo
de plantas
que renovarão
a vida
o homem

a planta
ela me olha como eu se fosse o culpado
não sou?
eu a olho como se fosse a saída
não é?
não sei...

tanta dor que me cabe
tanto amor que me mate
eu sei que ela sabe
um cão que não late
que morde
que foge
que insiste em entender
a planta

adianta tentar?
por enquanto o olhar é fugaz
na paz da planta
mas na medida do possível tento alcançar
e ao cansar ainda fito
o mito da planta
encanta
e encantaria mais se eu fosse capaz, compreender...

melhor não
espanta
conhecer o infinito é findar-se num ponto
é preciso faltar
é preciso aceitar
um universo entre a planta e minha sabedoria

não que eu saiba
saber que é vida me basta...
hoje.

quando vejo aquela luz

quando vejo aquela luz
do outro lado
distante
penso ser outro mundo
aquela luz
é um mistério
fico imaginando
o outro lado
ao longe
ao mesmo tempo que está ao alcance é irreal
não sei
sinto um vazio
sinto um universo entre mim e a luz
isso me vem à noite
entre o crepúsculo e o sono
e ela insiste
acesa
me tocando de alguma maneira
hipnotizando
(...)
mas e se lá eu estivesse olhando cá?