terça-feira, novembro 08, 2005

Cruel

Madalena trancou a porta e chamou o elevador. Saía para as compras da semana, e logo depois, buscaria os filhos na escola. Tudo estava em ordem, exceto por uma sensação estranha de algo por vir. Aquilo ainda não a perturbava muito. Desceu até a garagem no subsolo onde o carro estava estacionado, mas chegando lá percebeu que a chave do mesmo não estava na bolsa. Quando foi chamar o elevador viu que ele estava parado no décimo quarto andar, o seu andar. O vizinho havia viajado e só voltaria duas semanas depois. Quem estaria lá? Subiu. Chegando no apartamento encontrou a porta aberta. Não teve coragem de entrar. "Evandro?" chamou por seu marido. Não houve resposta. Não sabia o que fazer. Após um momento de reflexão, entrou. Um silêncio apavorante tomava conta de tudo. Andava cautelosa. Da porta do seu quarto viu um buquê de rosas em cima da cama. Havia um bilhete, "o carro está aberto e a chave na ignição", empalideceu-se. Releu o bilhete. Tremia. Num curto momento de calma serenizou-se no pensamento de que tudo seria uma brincadeira do marido. Eis que toca o telefone. Ainda trêmula atendeu, "alô", "as crianças correm perigo", uma voz sinistra respondeu e desligou. Em estado de choque, mas sã de seus movimentos, Madalena correu para o carro. Como dizia o bilhete a porta estava aberta e a chave na ignição. Quando foi dar a partida viu um cartão no painel, "as flores, você esqueceu das flores". Não deu a mínima e saiu cantando pneu já com o controle do portão na mão. Enquanto esperava o mesmo se abrir, o porteiro apareceu na janela, dando-lhe um grande susto, "deixaram para a senhora". Era um buquê de rosas com mais um bilhete, "por que não foi buscá-las? Será que eu preciso ser mais claro?". Ela podia jurar que era o mesmo buquê que estava em cima da cama. Apavorada seguiu seu rumo. De tão rápido que dirigia, quase se envolveu em dois acidentes. Não pôde ir até a escola, a rua da mesma estava interditada. Largou o carro no primeiro lugar que encontrou. Correu pra lá. Havia uma barreira policial, "você não pode passar senhora", disse um dos policiais, "como não? O que está acontecendo? Vim buscar meus filhos, por que esse movimento todo?", perguntou desesperada, "senhora, seus filhos estudam naquela escola?", "sim! Pode me dizer o que está acontecendo?", "um seqüestro! Seqüestraram as crianças!" gritou uma pessoa da multidão que estava ali, "o quê? Não pode ser! Isso é verdade?", perguntou ela já em lágrimas para o policial, "me acompanhe por favor", respondeu ele levando-a para o seu superior. De repente uma gritaria, muitos se abaixaram, outros correram. Ouviu-se tiros. Madalena sentiu um aperto no coração, chorava assustada, "calma senhora, calma" dizia o policial meio sem saber o que fazer. Algumas crianças saíram correndo de dentro da escola, mas nenhuma era um dos filhos dela. "Meus filhos! Onde estão?", gritou. "Lena, venha comigo", disse Jorge, um dos responsáveis pela operação e amigo da família, ele era parceiro de Evandro. Evandro era policial e negociador em seqüestros. "Não pode ser, ele está lá dentro?" perguntou a mãe, referindo-se ao marido, "sim, é o seu trabalho", "e as crianças? Não me diga que...", "também estão lá" respondeu Jorge lamentando e tentando acalmar a mulher que estava aos prantos. "E os tiros? O que aconteceu?", "está tudo bem, o seqüestrador só quis impor respeito". "Meu Deus! Como está a situação? E os meus filhos?", "o seqüestrador está na sala deles junto com mais vinte e uma crianças", "meu Deus que horror!", "e o que esse ordinário quer Jorge?", "Lena...ele...ele quer você. O seqüestrador na verdade é uma mulher, o nome dela é Renata, a ex-esposa de Evandro", "como?! Você só pode estar brincando...e...e por que ela me quer? Diga-me Jorge! Que cara é essa?", "é que na verdade quem te quer é o atual namorado dela", "como assim?", "ele é o Felipe, seu ex-marido...Lena?!". Logo que ouviu a palavra "ex-marido" Madalena quase desmaiou. "Lena? Você está bem? Alguém me traga um copo d'água!" gritou Jorge. "Estou bem, estou bem... O que esses desgraçados querem? Então, então era ele!", "como assim era ele?", "ele entrou na minha casa e no meu carro, me deixou algumas flores e bilhetes, desgraçado! Ainda me telefonou!", "precisamos investigar isso logo, espere um momento Lena", "espere aí Jorge! Você disse ex-esposa? Ele nunca me disse isso!", "o Evandro também não sabia que você já foi casada. É por isso que ele está lá na negociação, tentamos trocar de negociador, mas ela, a Renata, exigiu que ele ficasse", "meu Deus! Que merda... Você disse que o Felipe me quer?", "sim, na verdade a situação é...", "diga Jorge! Não me aflija!", "a situação é pior do que imagina. Eles disseram que ou a vida de vocês ou a das crianças". Dessa vez Madalena desmaiou. Quando acordou estava na sua cama, e a primeira coisa que viu foi a família: o marido Felipe, e os filhos Evandro e Renata. Eles começaram a cantar "parabéns pra você", quando acabaram, Felipe a presenteou com um buquê de rosas e um bilhete, "o sonho apenas começou", "o quê?", perguntou um pouco perturbada, de repente Evandro deu-lhe um cartão, estava escrito "SURPRESA!", aí Renata entregou-lhe outro buquê com um bilhete, "NÓS TE AMAMOS!". Ouviu-se três tiros. Madalena acordou. Era a campainha tocando. Estava dolorida e zonza, o mundo girava. Havia dormido no tapete da sala. Ela se levantou com dificuldade e foi atender. Estava sem forças. Quando abriu a porta, viu Jorge, e apesar de seu estado percebeu a palidez do amigo, "Lena!" gritou ele ao vê-la toda suja de sangue. Desesperado correu pra dentro do apartamento, e quando chegou no quarto de casal viu a cena mais horrível de sua vida.